Data - 02 de Agosto de 2014
Local - Vilar de Mouros
Notas - Após um interregno de oito anos, a Fundação AMA Autismo propôs-se fazer regressar o mítico Festival Vilar de Mouros, lutando contra várias adversidades, nomeadamente a falta de patrocínios e, consequentemente, falta de divulgação. Aliando a estes dois importantes factores o anúncio tardio do cartaz definitivo para o evento, era enorme a expectativa relativamente à adesão do público; enorme, mas previsível e aconteceu o que se esperava: o público não voltou a Vilar de Mouros, e seriam pouco mais de 10000 pessoas durante o festival.
Foi pena, mas mesmo com pouco público, esta edição ficará, obviamente, na história.
Quanto ao público, apesar de em número reduzido num espaço com capacidade para cerca de 50000 pessoas, divertiu-se e participou na festa de uma maneira diferente dos muitos festivais que existem por este país, e é aí que reside o misticismo de Vilar de Mouros. É um festival diferente, numa localidade lindíssima e com um ambiente fabuloso, onde tudo é uma festa, onde as pessoas estão e sentem-se bem, pois a gente da terra gosta dos festivaleiros e os festivaleiros retribuem, e isso faz com que Vilar de Mouros seja diferente, e a saudade proporcionada pelo longo hiato entre a última edição e a deste ano, não é diferente da que surge após o encerramento do festival, entre a deste ano e do próximo.
Relativamente à questão musical, o cartaz deste último dia era o mais equilibrado dos três dias anunciados. Pelo chamado palco secundário assistimos à actuação dos The Lazy Faithful, com um rock forte e agradável mas que ainda precisa de ser um pouco mais trabalhado para ganhar alguma consistência, e assistimos ainda a um bom concerto dos Búfalo, grupo que toca mais do que canta e que navega pelos mares do post-rock, com nítidas influências de Spiritualized ou Trans Am. Se inicialmente é um concerto agradável proporcionado por bons músicos, acaba por, passado algum tempo, tornar-se aborrecido e monótono, e isso não tem a ver com o desempenho do grupo, mas sim com o estilo musical.
Quanto ao chamado palco principal, o dia começou com Legendary Tigerman que mais uma vez deu um grande concerto, ficando a ideia que Paulo Furtado não sabe dar maus concertos. Fazendo-se acompanhar por Paulo Segadães na bateria e João Cabrita no Saxofone, este músico de Coimbra durante os 45 minutos que esteve em palco transformou o ambiente numa festa e, mesmo com pouco público junto ao palco o ambiente foi muito bom e terminou com Paulo Furtado a chamar para o palco quem quisesse ir, bastava "quererem dançar", e houve muita gente que o fez, e foi visível no rosto dos músicos, o ar de satisfação.
Seguiu-se a actuação dos Deolinda que deram um concerto relativamente curto e morno, sem conseguir agarrar o público, apesar da grande interacção com o público por parte da vocalista Ana Bacalhau, apesar de em algumas partes parecer algo despropositada. O momento alto do concerto, acabou por ser o convite dirigido a Paulo Furtado, para colaborar numa das canções de um concerto que terminou de forma abrupta mas que pareceu não incomodar ninguém, pois seguiam-se os Xutos & Pontapés, uma máquina bem oleada que arrasta sempre muito público, por onde quer que passe, e Vilar de Mouros não foi excepção.
O grupo que actualmente está a celebrar 35 anos de carreira não desiludiu nem acrescentou nada de novo. Tocaram temas novos do disco lançado recentemente mas, como é normal, os que mais prenderam e empolgaram o público, foram os clássicos da banda de Tim, Zé Pedro, Kalu, Cabeleira (em grande nível) e Gui. "Contentores", "Remar, Remar", "Circo de Feras", "Homem do Leme", "Maria" ou "Minha Casinha", são alguns exemplos dos clássicos do grupo e que puseram a plateia a cantar e a dançar, mostrando o quão bem oleado está esta banda que teima em continuar, mas que não satura e, no final de um concerto, a sensação que fica é agradável, como se fosse uma das primeiras vezes que os vemos actuar. Um bom concerto que teria tido um som excelente não fosse uma ou duas falhas que surgiram, mas que foram resolvidas de imediato.
E a seguir aos Xutos & Pontapés é chegada a vez de um senhor oriundo de Bristol subir ao palco: Tricky. E a seguir a Tricky, entraram em palco os Guano Apes que estão de regresso aos discos com "Offline", editado muito recentemente e praticamente desconhecido. Liderados pela carismática Sandra Nasic, o agrupamento alemão apresentou um alinhamento em jeito de Best Of, e ao longo de 21 temas percorreram a obra do grupo, sendo evidente o desconhecimento por parte do público relativamente ao último disco editado pela banda. Foi um bom concerto, cheio de energia e que passou depressa e, quando isso acontece, é porque é bom. Simpáticos e satisfeitos por estarem de regresso a Vilar de Mouros onde actuaram em 2003, os Guano Apes fecharam em bom nível, a edição deste ano do festival.
Para o fim, Tricky. Não foi o concerto de encerramento do festival, mas foi, seguramente, o mais memorável.... e estranho.
Mais uma vez foi notória a falta de "entrosamento" entre os músicos, não pela sua qualidade, mas pela forma de estar em palco de Tricky. Fica sempre a ideia que as canções não são ensaiadas e é notório que, durante todo o concerto, os músicos que o acompanham não tiram os olhos dele para saberem o que hão-de fazer e Tricky parece um maestro, ora levantando o braço, ora gesticulando, e nessas alturas ou a música sobe de tom ou os músicos começam a tocar noutro ritmo. Para quem está nas filas da frente isto é estranho, nota-se que nem tudo corre bem e eis que Tricky dirige-se à vocalista que o acompanha, segreda-lhe algo e ela empurra-o, e surgem os amuos; Tricky deixa-a a cantar sozinha em "Overcome", abandona o palco, quando regressa tira-lhe o microfone, depois a setlist, e chama para o palco o público e toca "By Myself" à frente do público que invadiu o palco e com os seus músicos atrás desse público, criando uma barreira entre ele e os seus músicos, como que a querer dizer que não precisa deles para dar um bom concerto, quando dois espectadores tentam tirar uma selfie com ele atira-lhe com os telemóveis ao chão, agradece a recepção do público, sai de palco, deixa os seus músicos a tocar sozinhos, e eles sem saberem o que fazer, quando têm de terminar e, passado alguns minutos, dão por terminado um dos concertos mais estranhos que vimos até hoje.