14/04/14

Ao vivo... José Cid

Data - 11 de Abril de 2014
Local - Aula Magna
Notas - Não houve macacos a gostar de bananas, nem favas com chouriço, nem a cabana esteve junto à praia e, felizmente, a Anita que não é bonita também não apareceu.
O que houve, isso sim, foi uma noite onde se fez história, naquela que na minha opinião é a melhor sala de Lisboa, a Aula Magna, e essa história teve como principal interveniente, alguém capaz de fazer do melhor e do pior na música portuguesa, José Cid, e o público, ao contrário da Anita, apareceu e quase encheu a Aula Magna
Quem avalia a carreira de José Cid, somente pelas músicas mais conhecidas, está, de certa forma, a agir de forma redutora, pois o músico natural da Chamusca do Ribatejo, para além dessa faceta mais popular esconde uma outra que vagueia - vagueou, e vai voltar a vaguear - pelos ritmos do chamado Rock Progressivo, género muito em voga nos anos 70.
Foi dentro desse estilo musical que editou durante o seu tempo no Quarteto 1111, o álbum "Onde, Quando, Como, Porquê, Cantamos Pessoas Vivas" de 1974, e, em nome próprio, o Single "Vida (Sons do Quotidiano) em 1977 e o álbum "10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte" em 1978. Estes três trabalhos têm uma sonoridade e um estilo completamente diferente do que estamos habituados a ouvir do José Cid e, talvez pelo facto de não serem tão acessíveis, são praticamente desconhecidos. À pouca acessibilidade em termos musicais, por não ser o que se possa chamar "música orelhuda", junta-se ainda a escassa divulgação que esse género musical tem nas rádios, um pouco por culpa própria, pois, normalmente, os discos de rock progressivo são compostos por temas muito longos, e é sabido que as rádios gostam de canções que não excedam os quatro minutos.
Por curiosidade, menciono que "10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte", considerado pela revista Billboard um dos melhores discos de sempre do Rock Progressivo, vendeu cerca de 800 exemplares, por terras lusas, quando da sua edição nesse longínquo ano.
Foram estes discos que fizeram parte do alinhamento do concerto da Aula Magna, para além de quatro temas que irão fazer parte de um novo álbum de rock progressivo a editar durante o ano de 2015, intitulado "Vozes do Além", que terá poemas de autoria do próprio, Sophia de Melo Breyner Andresen e Natália Correia. Espera-se que exista uma simbiose perfeita entre a genialidade musical e poética.
Quanto ao concerto desta noite, o início não podia ser da melhor forma, com Vida (Sons do Quotidiano); lado A e B tocados sem interrupção e em pouco mais de um minuto foi corrigido um pequeno problema no som (a partir daí excelente), e esse curto espaço de tempo foi suficiente para agarrar o público que, idolatradamente, aplaudia José Cid entre cada canção ou após cada solo efectuado por si ou pelo guitarrista. No final desta música e a avaliar pelos aplausos ficou a ideia que quem se deslocou à Aula Magna estava há mais de 30 anos à espera deste momento, do momento em que pudesse estar num local para ouvir José Cid tocar, não só este tema, como também o que se seguiu, "Quando" do mítico disco do Quarteto 1111, e, principalmente, os que se seguiriam às quatro canções do próximo trabalho "Vozes do Além". Durante esta curta viagem pelas "Vozes do Além", ficámos com a ideia que o disco que está a ser preparado há algum tempo, não vai defraudar as expectativas  dos fans,  pois a essência de um rock progressivo bem tocado está lá; oxalá que a produção do disco corresponda e, se isso acontecer,  estaremos, seguramente, perante mais um bom disco de um estilo musical que quase esteve em vias de extinção, mas do qual começam a aparecer alguns sinais de ressurgimento, mesmo que ténues.
E, finalmente, vai começar a ser tocado ao vivo e pela primeira vez, a versão integral de "10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte"; e convém não esquecer que era esse o principal motivo da romaria à sala de Lisboa.
Assim que se ouviram os primeiros acordes do tema de abertura do disco, "O Último Dia na Terra", numa sala já rendida a um músico que, quando quer, sabe fazer boa música, eram visíveis nos rostos do público expressões de felicidade e, curiosamente, um público que abrangia várias gerações e tão satisfeito estava o mais jovem, como o menos jovem, provando desta forma a intemporalidade do disco.
Com todos os sete temas tocados pela respectiva ordem, não fosse uma pequena falha do guitarrista no tema "Caos" ao fazer a mudança da viola acústica para a eléctrica e teria sido perfeito, mas já no encore em que essa música voltou a ser tocada, essa mudança foi feita no tempo correcto, mostrando que estava tudo muito bem planeado, não estivéssemos nós perante um dos mais experientes músicos portugueses, não só em estúdio mas também em palco e, apesar de este ser um disco muito complexo para tocar na integra ao vivo, funcionou perfeitamente e o público aderiu proporcionando momentos arrepiantes, como por  exemplo ver uma Aula Magna inteira a cantar em coro, em uníssono,  a pequena letra do tema "10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte": "podes ver, 10000 anos depois no ecrã do radar entre vénus e marte um planeta vazio à espera que o descubram onde recomeçar outra civilização", que podia muito bem ser a nossa, que às vezes dá sinais de estar completamente deturpada e corrompida.
Simplesmente memorável, numa noite que não se esquecerá tão depressa, pelo menos até ao Festival Vilar de Mouros, onde José Cid vai estar no dia 01 de Agosto, já que, segundo a farpa que atirou e como só ele sabe fazer,  "não temos nível para estar no Rock in Rio, nem no palco secundário".
Atrevo-me a afirmar: ainda bem, esta faceta de José Cid merece muito mais do que um festival que se assemelha a uma feira (RiR), e fica muito bem num Festival como o Vilar de Mouros.
Eu vou.